Alternativas mais limpas para o transporte público

10/03/2020 | Edição nº 109

Em seguimento à matéria de capa da edição anterior, a Revista Ônibus traz agora a questão dos combustíveis e motores menos poluentes, nossa capacidade industrial e tecnológica para contarmos com um transporte coletivo mais limpo e as soluções passíveis de serem adotadas.

 

Mudanças climáticas e a busca de soluções

Diante dos claros e abundantes sinais de mudanças climáticas que vêm ocorrendo no mundo, cientistas e sociedade civil se mobilizam em busca de soluções, desde a reciclagem de materiais e o tratamento do lixo até as fontes de energia mais limpas. Enquanto isso, alternativas aos combustíveis não renováveis, como o gás natural veicular (GNV) e o biodiesel, assim como os veículos elétricos e híbridos já ganham as ruas em várias cidades do planeta.

Segundo legislação aprovada em agosto do ano passado, aqui no Brasil, a partir de 1º de setembro de 2019, todo o diesel comercializado deve ter adicionado, pelo menos, 11% de biodiesel, podendo chegar ao máximo de 15%. O cronograma prevê a adição de 1% a cada ano, de forma a se contar com o biodiesel B15 até o ano de 2023.

A adição do biodiesel (produzido a partir de fontes renováveis, como o óleo de soja e o sebo bovino) ao combustível fóssil contribui para a economia do País, diminuindo o uso de diesel importado e trazendo também vantagens ambientais e sociais, ao reduzir o índice de emissão de gases causadores do efeito estufa e gerar novos empregos.

Programa Rio de Janeiro Sai na Frente: Biodiesel B5 antecipado em 2007 / Foto: Divulgação

 

Biodiesel: Sustentável, mas irmão do diesel

Segundo avaliação do gerente de Planejamento e Controle da Fetranspor, engenheiro Guilherme Wilson, apesar de sustentável, o combustível é um “irmão do diesel”: “o biodiesel, embora sustentável e bem melhor em termos de emissões geradas, é irmão do diesel, por ser também um éster. Assim, ele oxida, absorve mais água, ou seja, ‘puxa’ a umidade do ar para o combustível, causando uma contaminação microbiológica”.

As montadoras e fabricantes de motores acreditam que é preciso que seja dado um salto tecnológico nos combustíveis e, apesar de a Mercedes-Benz anunciar que seus motores do ciclo Euro 5 tenham condições de aceitar até o biodiesel B20, já se nota certa resistência, por parte da indústria, a uma adição de biodiesel mais alta.

 

HVO: Nova e promissora opção

Considerado como uma opção promissora, o óleo vegetal hidrotratado ou, na sigla inglesa, HVO, tem grande potencial de aplicação, por não ser um éster, mas um hidrocarboneto parafínico. O presidente do conselho de administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Erasmo Carlos Battistella, defende o investimento no HVO como “uma oportunidade para consolidar o Brasil como o maior produtor de biocombustíveis do mundo” (o Brasil só fi ca atrás dos EUA na produção de biodiesel).

Uma das grandes vantagens do HVO é que o seu uso não implica qualquer alteração na infraestrutura de abastecimento das garagens ou na logística de distribuição dos combustíveis. Segundo Battistela, “a atual mistura B11, que vai chegar a B15 em 2023, poderia começar com H1, por exemplo, mas poderia chegar a H89”.

 

Gás Natural: maior previsibilidade, menores preços

A partir da Resolução CNPE nº 16/2019, de 24 de junho de 2019, que resultou do trabalho do Comitê de Promoção da Concorrência no Mercado de Gás Natural do Brasil, foram estabelecidas diretrizes e melhorias para as políticas energéticas brasileiras voltadas à promoção da livre concorrência no mercado de gás natural, dentro do modelo regulatório já vigente no País.

Após a publicação da Resolução, em 8 de julho de 2019, foi assinado Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC) entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Petrobras, visando à abertura do mercado nacional de gás natural e ao incentivo da entrada de novos agentes nesse mercado. A medida acaba, na prática, com o monopólio da Petrobras, que deverá criar, para a concorrência, condições de acesso aos gasodutos e infraestruturas, como dutos de escoamento, unidades de processamento e terminais de gás natural liquefeito (GNL), promovendo o compartilhamento de riscos entre todos os agentes envolvidos e a própria amenização desses riscos. Espera-se que o resultado seja a diminuição dos preços para o consumidor final. Embora a ideia não seja nova, pois a Lei do Gás, de nº 11.909/2009, já previa a entrada de novos atores no segmento, a decisão governamental traz expectativas de maior transparência e previsibilidade para o setor.

DualBus Ônibus Elétrico Puro e Elétrico Híbrido apresentado em setembro no Arena ANTP – SP, pela Eletra / Foto: Divulgação

 

Motores elétricos e híbridos: tendência mundial

As maiores cidades do mundo começam a utilizar veículos elétricos ou híbridos. Organizações como a C40 Cities e o Conselho Internacional de Transporte Limpo (ICCT) procuram incentivar e apoiar iniciativas que melhorem a eficiência energética do transporte. O ICCT é uma organização independente e sem fins lucrativos que se propõe a oferecer pesquisas, análises técnicas e científicas aos órgãos reguladores ambientais, a fim de contribuir para melhor desempenho ambiental do transporte, seja rodoviário, marítimo ou aéreo. Já a C40 Cities conecta quase 100 das maiores cidades do mundo, representando mais de 700 milhões de pessoas e 25% da economia global, no sentido de adotarem ações climáticas que ajudem ao atingimento das metas do Acordo de Paris.

Uma parceria entre a C40 e o ICCT e financiada pela rede global de líderes em crescimento verde P4G, a Zebra (sigla em inglês para Acelerador de Implantação Rápida de Ônibus com Emissão Zero) pretende apoiar a adoção de ônibus de emissão zero nas principais cidades da América Latina. As iniciativas mostram que a utilização de veículos com maior eficiência energética é uma tendência no mundo todo. Em entrevista à Revista Ônibus, o diretor de Marketing, Sustentabilidade e Novos Negócios da BYD, Adalberto Maluf, afirma que a eletrificação das frotas de ônibus e caminhões é uma “transformação real e atual e que começa a tomar volume em todo o mundo”. Segundo ele, a China passou de 5% de ônibus elétricos, em 2015, para cerca de 25%, em 2018. No final de 2018, a BYD comemorou a venda de 50 mil unidades no mundo. A empresa já tem ônibus elétricos operando em 300 cidades, de 50 países, sendo a líder no mercado europeu e no Chile, para onde já forneceu 280 desses veículos.

 

Ônibus 100% elétricos

A BYD já tem projetos de introdução de ônibus 100% elétricos em várias cidades brasileiras: Campinas, São Paulo, Santos, Bauru, Maringá, Volta Redonda e Brasília. Em São Paulo, 15 já estão em operação, em uma linha da Região Sul. A SPTrans estima a entrada de 8 mil ônibus elétricos em 10 anos. “O transporte público no Brasil tem uma média de 100 mil ônibus, com uma renovação de cerca de 20 mil, ou seja 20% ao ano. A gente imagina que, com a entrada de novas legislações e incentivos tarifários, possa ter 10% de entrada da frota elétrica por ano no mercado brasileiro”, calcula Maluf. Quanto ao preço da bateria, que é visto como um empecilho por vários empresários, ele informa que a BYD está construindo uma fábrica em Manaus, o que já vai baratear bastante esse custo para os brasileiros. Mas existem outras formas de baixar os valores. “São Paulo encontrou um caminho inovador. O valor da bateria foi retirado do valor total do ônibus para ser classificado como insumo, igual ao item diesel. Agora, a tendência é que o aumento da demanda, neste caso, ajude a baratear o custo da bateria já no médio prazo”, informa. Maluf acredita que devemos mudar de um modelo baseado em custos, para um que se baseie em produtividade e desempenho, pois, embora o ônibus elétrico seja inicialmente mais caro, a durabilidade e a economia que oferece compensam: “Um ônibus elétrico pode rodar 15 anos ou mais, enquanto um a combustão tem idade máxima de 10 anos, com média da frota em 5 anos. Ou seja, enquanto você roda com um ônibus elétrico, você deixa de ter outros três a diesel, tendo o custo de depreciação embutido na tarifa nesses 15 anos”, argumenta.

 

Versões Trólebus

Outra referência em transporte sustentável, a Eletra, empresa brasileira fundada em São Bernardo do Campo, em 1988, fabrica ônibus elétricos nas versões trólebus (rede aérea), híbrido (motor gerador + baterias) e 100% elétrico. Fabricou, em 1999, o primeiro ônibus híbrido com tecnologia nacional, que propiciou 95% de redução na emissão de particulados, com alta performance, tendo sido um dos cinco finalistas do World Technology Award, dos Estados Unidos. Fabricou o primeiro ônibus totalmente elétrico em 2013, em parceria com Mitsubishi Heavy e Mitsubishi Corporation. Segundo a fabricante, o veículo pode operar em qualquer sistema viário e seu grupo de bate rias permite autonomia de 200 quilômetros.

A diretora executiva Iêda de Oliveira, também diretora de Veículos Pesados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), considera que, dentre esses modelos, a escolha vai depender do projeto de mobilidade definido pelo poder público. E exemplifica: “se o objetivo do prefeito for criar uma Zona de Emissão Zero no centro da cidade e, ao mesmo tempo, oferecer um bom transporte para ligar o centro histórico ao centro expandido, recomendo um veículo como o Eletra Dual Bus 15m. É um ônibus elétrico/híbrido de boa capacidade, com tração elétrica operada por dois sistemas: no modo 100% elétrico, ele se movimenta pela energia das baterias; no modo híbrido, as baterias são alimentadas continuamente por um motor-gerador estacionário a combustão, que pode ser a diesel ou etanol. O modo de tração muda a critério do motorista ou da autoridade de transporte”. Iêda explica que um sensor na rua poderá acionar, por bluetooth, a tração 100% elétrica do veículo, fazendo com que passe a trafegar com emissão zero de CO2 , material particulado (MP) e óxidos de nitrogênio. A autonomia, nesse modo de operação, é de 25 km. “Quando o veículo sair do centro histórico, o sensor religará o modo híbrido, que ainda assim garante redução de 95% de MP, de 30% de CO² e de 28% no consumo de diesel, em relação ao similar convencional”, afirma. Ela ressalta que a empresa oferece opções para os vários tipos de operação. Para corredores exclusivos ou sistemas de BRT, aponta os 100% elétricos e os trólebus. Para projetos que prevêem estações de recarga, considera ideal o Eletra e-Bus 23m 100% elétrico, que é articulado, tem capacidade para 120 passageiros, com piso baixo, ar-condicionado e zero de poluição sonora e aérea. Já os trólebus, não precisam de estrutura de recarga e hoje têm de 10 a 20 km de autonomia. Ou seja, em caso de algum problema na fi ação, o veículo não precisa ficar parado.

 

“Brasil não aproveita oportunidades”

Em relação ao preço das baterias, sua opinião é semelhante à de Adalberto Maluf. Acredita que os valores já estão caindo e que há novas opções, como tecnologias que já estão sendo testadas e que vão proporcionar baterias mais econômicas, novos modelos de negócio e até de operação (com estações de carga rápida ou ultrarrápida nos trajetos, operações com trólebus ou ônibus híbridos, bancos de baterias maiores ou menores etc.). Ela considera como uma das melhores soluções atuais o retrofit, ou conversão do veículo convencional a diesel para elétrico ou híbrido. E garante: “A Eletra está entrando com muita força nesse mercado”.

Quanto ao mercado nacional, Iêda diz que, infelizmente, o Brasil não aproveita as oportunidades criadas por ele mesmo. E argumenta: “Durante mais de 30 anos, nosso País foi líder mundial em sustentabilidade ambiental, e hoje está perdendo o pé da grande revolução econômica do século 21, que é a eletromobilidade”.

No entanto, ela vê condições de se retomar essa liderança. “Temos uma forte rede de distribuição e assistência técnica. Nossa geração de eletricidade é sustentável em mais de 80% da matriz energética. Nossa indústria de biocombustíveis não tem paralelo no mundo. A BYD é a maior fabricante de ônibus elétricos do mundo. A Eletra tem prêmios de tecnologia conquistados no exterior e 20 anos de experiência em transporte público sustentável. Fornece, por exemplo, os veículos do Corredor ABD da Metra, na Grande São Paulo, que é a operação de transporte público mais bem avaliada do Brasil pelos usuários. Outras empresas nacionais, como WEG, Moura, Marcopolo e Caio, têm excelente reputação nos mercados internacionais. Nosso mercado de transporte público é imenso. Portanto, temos recursos para investir pesado em transporte 100% elétrico e em transporte híbrido com biocombustíveis. Nenhum outro país do mundo reúne tantas vantagens”, defende. Para a diretora da Eletra, o que falta são políticas públicas consistentes voltadas para um transporte público de baixa emissão, visão de longo prazo por parte das autoridades e mais ousadia por parte dos empresários. Mas, colocando tudo na balança, diz-se otimista com relação ao futuro: “Acredito que as exigências de qualidade dos usuários de transporte inevitavelmente levarão a uma mudança nesse mercado, na direção da eletromobilidade”.

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