Fetranspor tem Programa de Integridade e Conformidade e adere ao Ibric

09/03/2020 | Edição nº 109

Disposta a definir novas trajetórias, onde a transparência seja um marco, a Fetranspor criou mecanismos de compliance, Programa de Integridade e Conformidade (PIC), novo Código de Conduta e empreende trabalhosa jornada rumo à consolidação desses novos objetivos. Verifica-se a adesão a programas dessa natureza e a implantação de setores de compliance nas empresas como uma tendência em todo o mundo. Aqui no Brasil, para muita gente, o termo ainda é novidade. Mas como e quando isso surgiu? É mesmo uma coisa nova?

 

Breve histórico

Nos idos de 1930, na Conferência de Paz de Haia, foi criado o Bank for International Settlements, na Basileia, Suíça, para conduzir a cooperação entre os bancos centrais e tornar suas atividades mais seguras e confiáveis. A Organização dos Estados Americanos (OEA), nasceu em 1948 para salvaguardar os interesses dos estados americanos, rejeitar o terrorismo e reprimir a lavagem de dinheiro e a corrupção. Em 1960, a Securities and Exchange Comission incentivou a contratação de compliance officers pelas instituições financeiras, a fim de desenvolverem procedimentos internos de controle, promoverem treinamentos para seus trabalhadores e fazerem a supervisão de atividades suspeitas.

Outros episódios de grande impacto, como o rompimento unilateral, pelo presidente Richard Nixon, dos EUA, do acordo de Bretton Woods, que estabelecia regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais industrializados no mundo, levaram à preocupação cada vez maior com o controle de atividades que pudessem causar prejuízos financeiros e comerciais à sociedade. Assim tiveram origem os programas de compliance, palavra derivada do verbo inglês to comply, cujo significado é “agir de acordo com uma regra, instrução interna, solicitação ou comando”.

Tendo iniciado nas instituições bancárias, o compliance logo mostrou sua eficácia. Em consequência, ao ocorrerem escândalos corporativos com grandes empresas ao redor do mundo, foi levado para dentro dessas organizações. Com o tempo, foram sendo adotados programas de governança corporativa e compliance em vários setores, como forma de evitar os danos éticos, morais, financeiros e de imagem gerados por atividades ilícitas. Embora sua adoção não elimine os riscos, minimiza-os bastante, permite a identificação mais rápida de atos não recomendáveis e leva a organização a saber lidar melhor com essas situações. A ideia é que o cumprimento da legislação e das normas internas se torne parte da cultura corporativa. Isso traz vantagens competitivas às empresas, uma vez que aumenta sua credibilidade diante de partes interessadas (stakeholders).

Arte: Fetranspor

 

Um mundo mais transparente

Na última lista divulgada pela Transparência Internacional, os 10 primeiros lugares do IPC (Índice de Percepção da Corrupção) ficaram com: Dinamarca (87 pontos), Nova Zelândia (87), Finlândia (86), Singapura (85), Suécia (85), Suíça (85), Noruega (84), Holanda (82), Alemanha (80) e Luxemburgo (80). Abaixo, veremos algumas informações sobre os sistemas de controles anticorrupção de alguns países.

Suécia – A legislação anticorrupção sueca leva funcionários do governo a declararem seus proventos, sendo raros escândalos em que estejam envolvidos, assim como os membros do governo. As regras de transparência e os investimentos do país em educação contribuíram para formação de um povo mais consciente e com capacidade de fiscalizar seus governantes.

Canadá – Décimo segundo no rankig da pesquisa Transparency, o Canadá tem rígido sistema anticorrupção, que obriga funcionários públicos e parlamentares a cumprirem código de ética que os proíbe de aceitarem presentes de pessoas ou instituições no desempenho de suas funções, e que os leva a ter de declarar todos os seus gastos, listas de bens e documentos assinados no exercício de suas atividades profissionais. Lobistas têm sua atividade regulamentada e devem ser registrados no governo. Titulares ou candidatos a cargos políticos não podem praticar o lobby. Dessa forma, o país praticamente elimina os riscos de possíveis conflitos de interesses público e privado e garante sua boa posição no ranking. Apesar disso, caiu 4 pontos no IPC.

Brasil – O já citado estudo “Entre a Expectativa e a Realidade – A evolução de uma cultura de compliance em países selecionados” fala da operação Lava-Jato no Brasil, da criação da Lei 12.486/2013 (conhecida como Anticorrupção ou da Empresa Limpa) e de outras legislações (o Rio de Janeiro promulgou a Lei 7753, em 2017, ou Lei estadual Anticorrupção) e diz que “Esses fatos tornaram os executivos no Brasil muito mais cientes das implicações da lei e suas possíveis consequências para eles e para suas empresas. Interesse e exigência para se estabelecer sistemas de compliance e sistemas de integridade aumentaram de maneira significativa”. Considera, porém, que poucas empresas têm um CMS (Compliance Management System) efetivo e relata a falta de profissionais da área, as dificuldades financeiras das empresas e o desconhecimento das reais vantagens da implantação desses sistemas como as principais razões para isso. Segundo o estudo, ainda falta muito a ser feito para enfrentar os desafios nos setores público, político, empresarial e cultural brasileiros.

Um esforço recente de algumas empresas, porém, representa uma luz no fim do túnel: a criação do Ibric (veja entrevista nesta edição), um instituto que pretende ajudar as empresas brasileiras a criarem seus sistemas de compliance e vai desenvolver processos certificatórios, com parcerias como o Instituto Ethos, a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e o IFC (International Finance Corporation).

Dinamarca – Considerada como a nação mais transparente por estudo da Universidade da Pensilvânia, e primeiro lugar na lista da Transparência Internacional do ano passado, com 87 pontos, (o Brasil ocupa o 106º lugar, entre 180 países), em cujo topo é presença constante, a Dinamarca pune com altas multas e penas de até seis anos de reclusão os crimes como peculato, suborno, abuso de poder e lavagem de dinheiro. Não existem penas alternativas, como no Brasil. A tradição de dura legislação certamente desencorajou os cidadãos a cometerem crimes, criando uma cultura mais ética. Em meados do século XVII, a corrupção era passível até de pena de morte, instituída pelo rei Frederik III.

Alemanha – segundo o estudo “Entre a Expectativa e a Realidade – A evolução de uma cultura de compliance em países selecionados”, publicado por KPMG Alemanha, Lateinamerika Verein e.V e Aliance for Integrity, as grandes empresas alemãs foram precursoras dos programas de compliance e da definição das funções envolvidas, “com recursos humanos substanciais e responsabilidades claras”. Especialistas registram aumento crescente do número de programas e profissionais de compliance, havendo mesmo uma tendência de aumento exagerado desses setores, com contratação de muitas pessoas em estabelecimentos bancários e de atividades securitárias. Embora o tamanho de um setor de compliance não garanta seu perfeito funcionamento, esse crescimento denota uma valorização das boas práticas éticas, morais, de integridade e sustentabilidade no país.

 

Fetranspor implanta PIC

Dentro desse panorama nacional, em que a preocupação com normativos de conformidade e integridade nas organizações se deu a partir de uma investigação federal que expôs ampla rede de corrupção, muitas empresas resolveram criar mecanismos de CMS, para recuperarem sua credibilidade e também se protegerem da corrupção enraizada, infelizmente, em nossa sociedade. Líderes foram substituídos, novas posturas estão sendo adotadas e um movimento jamais visto em busca de programas de integridade e conformidade vem acontecendo no País.

Valeska Barros / Foto: Arthur Moura

A Fetranspor também vive nova fase, com novas diretrizes. E talvez o traço mais marcante de sua nova governança seja a busca pela transparência. Assim, seu Conselho de Gestão aprovou, em janeiro do ano passado, a criação do PIC – Programa de Integridade e Conformidade –, para cujo acompanhamento foi criado um Comitê, formado pelo presidente, dois membros independentes e um membro do Conselho de Gestão. O PIC abrange todo o Sistema Fetranspor: Federação, RioPar e a RioCard TI e tem três linhas de ação: prevenção, detecção e correção de violações, e é sustentado por 12 pilares (box na próxima página), que sintetizam os 16 recomendados pela Lei federal Anticorrupção (12.846/2013):

Foram criados novo Código de Conduta e uma Cartilha do PIC, bastante divulgados entre os colaboradores, gestores a agentes de governança, que também passaram por treinamentos sobre a importância do PIC e o papel de cada um na sua implantação.

O presidente Armando Guerra Júnior, compliance officer da entidade, destaca que o Programa merece atenção especial da alta administração e do Comitê, e informa que ajudas especializadas estão sendo contratadas, para que tudo seja feito da melhor forma possível. A adesão ao Ibric, Instituto Brasileiro de Autorregulação do Setor de Infraestrutura, é motivo de entusiasmo, pois “será um norteador e representa uma possibilidade de certificação, uma comprovação de que estamos trilhando o caminho certo”.

Ele ressalta que não basta existirem normas no papel: “Antes de tudo, é preciso uma mudança real de comportamento. Os conceitos de transparência e integridade precisam permear todas as relações institucionais”, defende. Guerra destaca também que a nova gestão levou pouco mais de um ano para implantar o PIC porque “tudo foi feito com muito cuidado e atenção aos detalhes, para que efetivamente as novas medidas se tornem parte da cultura corporativa e da vida de cada colaborador”.

 

Diagnóstico confiável

Segundo Valeska Barros, gerente de Controles Internos e Riscos, está sendo feito um trabalho bastante minucioso, em que há necessidade de mapeamento de todas as atividades de cada área de negócios da Federação, da RioPar e da RioCard TI, para que se obtenha uma visão aprofundada que permita estabelecer um diagnóstico confiável.

Nesse processo, são analisados não apenas os riscos de fraudes e lavagem de dinheiro, mas todas as possíveis fragilidades administrativas, sejam estratégicas, trabalhistas, operacionais, de segurança de dados ou outras. Esta abrangência traz um grande desafio, pois, a cada risco identificado, há que se avaliar a implementação de controles, estabelecê-los e colocá-los em prática. Diante da quantidade de processos existentes nas áreas de negócios, uma análise bem feita não acontece de um dia para o outro. “Mas o importante é que estamos avançando na construção desse novo caminho”, afirma.

Outro grande desafio é a bilhetagem eletrônica do Estado do Rio de Janeiro, em que o Sistema Fetranspor tem papel fundamental e de enorme importância para o poder público e a população. Para isso já existe uma Política de Segurança da Informação, bastante rígida e bem divulgada. A área de ressarcimento teve prioridade assegurada pelo Comitê, pela complexidade e importância dos processos.

 

Acreditar, conhecer e disseminar

O especialista Ricardo Giambroni, membro independente do Comitê de Integridade e Conformidade (CIC), considera que a Fetranspor deu um primeiro passo de forma muito positiva, partindo, como deve ser, da alta direção, pois, segundo ele, “a consciência da importância e necessidade de um projeto como esse, por parte dos dirigentes da organização, é fundamental. Eles precisam acreditar, conhecer o processo e disseminar essa cultura na empresa”. Giambroni, que tem vasta experiência no assunto e é conselheiro certificado pelo IBGC, Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, diz que “o presidente é o cara número um, o que transmite as diretrizes emanadas do Conselho para a diretoria, que vai, por sua vez, envolver os gerentes, e estes seus colaboradores, colocando em prática o Código de Conduta e todos os processos de controle criados”. Esses controles não devem ser encarados como uma fiscalização feita para apontar falhas com finalidade punitiva, ressalva ele, mas como uma forma de, após identificados os riscos, controlá-los e mitigá-los. Giambroni diz que existem três linhas de defesa: os gestores (presidente executivo, diretores e gerentes), a gerência de Controles Internos e Riscos e a Auditoria Interna, que deve ter toda a independência para fiscalizar. A presença de membros externos no Comitê é importante para que se tenha “um olhar de fora”, explica. Os órgãos de governança realmente recomendam a participação de membros independentes (que não fazem ou fizeram parte da empresa) nos conselhos de administração. A prática é considerada saudável para o bom funcionamento desses colegiados.

 

Governança sustentável

Ricardo Giambroni considera que o processo na Fetranspor, embora no início, já está funcionando e vai bem. A participação no Comitê é vista como mais um desafio. “Faço isso porque acredito que é bom. E todas as pessoas que participam desses processos devem ter isso no sangue”. Ele acredita que, para que os normativos e princípios se tornem realmente parte da cultura de uma empresa, é preciso muita persistência. A ação dos gestores e seu permanente acompanhamento influenciam para que esses “entrem na cabeça” de todos. Mas, uma vez que estejam internalizados na organização, os ganhos são muitos: maior eficiência, maior confiabilidade, mais segurança e respeitabilidade. “Muitas vezes as pessoas reagem a mudanças, mas hoje é muito importante, principalmente para as grandes empresas, ter uma governança com postura sustentável, respeito às regras e sistemas de compliance instalados”, afirma.

Giambroni lembra que o fato de mapear os processos leva ao conhecimento aprofundado, e à detecção de fragilidades e sua correção. Acredita que o Sistema Fetranspor precisa ter perfeito domínio de todos os processos de suas áreas de negócios, por deter a operação de um sistema de bilhetagem do tamanho do que existe no estado do Rio de Janeiro.

 

Incentivo à adesão de filiados

A conscientização quanto à importância da transparência do setor como um todo tem levado a Fetranspor a divulgar as ações de compliance para os seus sindicatos, incentivando-os a aderirem à implantação de CMS, assim como as empresas a eles associadas. A Federação tem aberto espaço para participação dos filiados em seus treinamentos, com boa receptividade.

O caminho é longo, e não é dos mais fáceis, mas foi dado o primeiro passo. Cabe à Fetranspor o cumprimento da tarefa de tornar seu Programa de Integridade e Conformidade não apenas uma série de regras impressas mas, como disse o presidente e compliance officer, Armando Guerra Júnior, que ele seja parte da cultura corporativa e da vida de cada colaborador. E que a Federação exerça sua liderança e contagie, no bom sentido, seus filiados e as empresas a eles associadas, para que o setor como um todo possa se afirmar como modelo de integridade, conformidade e transparência.

 

Os 12 pilares do PIC

1. Suporte e comprometimento da alta administração (patrocínio e incorporação das ações de conformidade e integridade no Sistema Fetranspor);

2. Gerenciamento de riscos (mecanismos para identificação, prevenção e correção de possíveis falhas e violações);

3. Independência, estrutura e autoridade da instância interna fiscalizadora (foi criada estrutura dedicada e independente, com autoridade para o desenvolvimento das ações de compliance);

4. Normativos de integridade e conformidade e de suporte aos processos operacionais (estabelecimento de diretrizes para relacionamentos com todas as partes interessadas do Sistema);

5. Treinamentos e comunicações periódicas (divulgados não só internamente, mas, de acordo com o tema, para sindicatos e empresas do setor);

6. Controles internos e registros contábeis fiéis (melhora da eficiência dos controles internos e contratação de auditorias independentes para revisar as demonstrações financeiras);

7. Diligência periódica de colaboradores, terceiros e de contratos (realização de due diligence (pessoas jurídicas) e background check (pessoas físicas). Foram também elaborados formulários de conflito de interesses e de conformidade e integridade, para serem preenchidos por colaboradores e outras partes interessadas;

8. Canal de denúncia e definição de medidas disciplinares (o canal Voz Ativa, de denúncia e diálogo, já existente, foi reformulado e aprimorado);

9. Monitoramento periódico das ações e controles (acompanhamento de plano de ação de todas as áreas de negócios);

10. Investigação interna (essas investigações devem ser feitas de forma imparcial e gerar as providências cabíveis);

11. Auditoria interna (presta assessoria ao Conselho de Gestão, ao Comitê de Integridade e Conformidade e aos demais órgãos fiscalizadores);

12. Proibição de doações para candidatos e partidos políticos.

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