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Os números apontam os caminhos
19/12/2024 |Revista Ônibus destaca sete gráficos e tabelas da Pesquisa CNT de Mobilidade 2024 para uma análise mais crítica e com propostas de soluções
A Pesquisa CNT de Mobilidade da População Urbana, apresentada durante o Seminário Nacional da NTU, realizado em agosto em São Paulo, é mais uma vez pauta da Revista Ônibus. Realizado pela Confederação, com o apoio da NTU, o estudo ouviu 3.117 pessoas em 35 municípios com mais de 100 mil habitantes, de 18 de abril a 11 de maio de 2024.
O levantamento traça o perfil atual dos usuários de transporte público no Brasil e compara dados entre os anos de 2017 e 2024, oferecendo um panorama das transformações no comportamento dos passageiros de transporte coletivo ao longo desse período. Entre outros aspectos, o trabalho buscou identificar os principais modos de transporte utilizados pela população brasileira, caracterizar os deslocamentos e avaliar a percepção dos passageiros sobre o setor de transporte urbano no País.
Vários resultados desse estudo já foram amplamente divulgados, tanto pela imprensa especializada como pela grande mídia. O que a Revista Ônibus traz, nesta edição, são importantes recortes da pesquisa, feitos a partir de oito gráficos e tabelas, destacados pela equipe de mobilidade urbana da Semove (Federação das Empresas de Mobilidade do Estado do Rio de Janeiro), que faz uma avaliação aprofundada de seus dados, mostrando pontos de vista e propondo soluções.
Para facilitar o entendimento do leitor, as análises e pareceres serão apresentados separadamente, por gráfico ou tabela.
Principais problemas urbanos
A Tabela 4 (abaixo) mostra que, entre os principais problemas urbanos elencados pelos entrevistados, o transporte, que em 2017 ocupava a quarta colocação na percepção da população, atrás de violência, saúde e desemprego, subiu uma posição e foi o único item que teve seu percentual praticamente dobrado, passando de 12,4% para 24,3%. Na abordagem por porte de municípios, o transporte se mantém em terceiro lugar em quatro das cinco faixas (de 100 mil a 300 mil habitantes, de 500 mil a 1 milhão, de 1 milhão a 3 milhões e acima de 3 milhões), descendo para quarto lugar apenas na faixa de 300 a 500 mil habitantes.
De acordo com a diretora de Mobilidade Urbana da Semove, Richele Cabral, esse é um dado preocupante, que exige um olhar atento por parte dos transportadores e do poder público. “Um dos fatores que contribuem para essa percepção é, sem dúvida, o tempo de viagem. A própria pesquisa nos mostra que quanto maior o porte da cidade, maior o tempo gasto pela população no transporte público. O que nos aponta a necessidade de implementação de políticas públicas voltadas para a melhoria da velocidade dos ônibus, a partir da adoção de faixas exclusivas e preferenciais e sistemas como o BRT, além da racionalização das redes”, afirma.
A qualidade do serviço prestado é outro fator preponderante, segundo a diretora. “É preciso investimento em veículos novos e modernos, uma frota climatizada nas cidades mais quentes, com tecnologias que contribuam para a rapidez do embarque e a segurança, como os pagamentos de tarifa através de Pix, além dos cartões. Mas, para isso, é fundamental que tenhamos políticas de subsídios, que são as únicas maneiras das empresas conseguirem manter os padrões de operação e atendimento em alto nível”.
Motivos que os levam a utilizar o transporte público por ônibus
Ao serem questionados sobre os motivos que os levam a utilizar o transporte público por ônibus, mais da metade dos entrevistados (52,7% – Gráfico 45 ao lado) disseram que esse modo de transporte é a única alternativa disponível de transporte. Para Richele, o dado acende a luz vermelha. “Porque isso nos mostra que aquela pessoa, na primeira oportunidade que tiver, sairá do sistema. Então, o que podemos fazer para evitar mais essa perda de demanda? Que políticas podemos adotar? Que investimentos devem ser realizados? Mais uma vez, reforçamos a importância de equipar as cidades com infraestrutura e veículos que permitam a diminuição do tempo de viagem e ajudem a melhorar o conforto, a facilidade de acesso, a agilidade de embarque…”, afirma.
A segunda razão apontada é que o ônibus tem um custo menor em relação aos outros meios de transporte. “Apesar de não ser o motivo principal, o índice de 32,1% não pode ser desconsiderado. E, nesse caso, voltamos à questão da necessidade de os governos subsidiarem o transporte por ônibus, para que as operadoras consigam manter tarifas mais baixas, beneficiando a população sem prejudicar a qualidade do serviço”, defende. O fato das pessoas apontarem o custo como razão para a utilização do sistema por ônibus mostra a importância desse atributo na escolha modal e nos leva a perceber que, com tarifas mais baixas, mais pessoas poderão ser beneficiadas e atendidas.
Utilização do transporte individual
A Tabela 12 (abaixo) mostra o crescimento no percentual de utilização do transporte individual pela população, na mesma proporção da diminuição do uso do transporte coletivo. “Infelizmente, o que estamos vendo agora é um retrocesso sem precedentes”, destaca Richele.
De acordo com a diretora da Semove, a defesa da priorização do coletivo sobre o individual sempre foi pauta principal do setor. “Durante décadas, temos levantado essa bandeira. Sabemos que é a única maneira de construirmos cidades sustentáveis, com menos emissão de gases poluentes e do efeito estufa, já que um carro consome 30 vezes mais combustível por passageiro do que um ônibus; menos acidentes de trânsito e mais segurança; menos congestionamentos, pois o ônibus é capaz de transportar o equivalente a 25 automóveis; mais acessibilidade e inclusão social; e mais tempo para o descanso e lazer com as famílias”, explica.
Sobre as medidas que precisam ser tomadas para o enfrentamento deste problema, a executiva reafirma a necessidade de políticas públicas de infraestrutura que privilegiem o transporte por ônibus, como os já citados corredores e faixas exclusivas. Além disso, ela defende também o financiamento para a aquisição de novos ônibus. “Não podemos, daqui a mais sete anos, numa próxima pesquisa comparativa como esta, ver esse fato se repetir”. O transporte público por ônibus tem que ser atrativo, ao mesmo tempo em que políticas públicas de restrição ao uso desenfreado do automóvel particular têm que ocorrer, juntamente com o planejamento do uso do solo integrado ao sistema de transporte público.
Substituição do ônibus
A Tabela 13 (acima) mostra que passou de 16,1% para 29,4%, quase dobrou, o número de pessoas que deixou totalmente de usar o serviço de transporte por ônibus. “Isso é grave e nos remete novamente à questão da priorização, que apesar de sempre ter sido uma reivindicação do nosso setor, jamais ganhou a devida importância. O resultado está aí”, diz Richele.
No Gráfico 60 (página anterior) é possível ver, claramente, qual o meio de transporte que as pessoas passaram a utilizar em substituição ao ônibus: carro próprio (38,5%), a pé (19,3%), serviços por aplicativo (18,2%) e moto própria (14,7%). “Esse é, sem dúvida, um problema que merece atenção dobrada por parte do setor de mobilidade urbana. Tirando a caminhada, temos uma transferência enorme de pessoas do transporte público para o transporte individual motorizado. Essa mudança, em um futuro breve, agravará o caos do trânsito nas cidades, com consequências graves para a saúde física e mental da população”, afirmou Richele.
Segundo Richele, o gráfico deixa claro que “há uma urgência de entendimento de que essa migração modal para o transporte individual, seja próprio ou por aplicativo, gera um problema de espaço viário, pois não cabem mais carros nas ruas. Não é uma solução sustentável, nem a curto prazo e, muito menos, num período mais longo. Além disso, gera consequência não apenas para as pessoas que utilizam o automóvel de forma individual, mas para aquelas que optaram pelo coletivo e se veem presas nos mesmos congestionamentos dos particulares, devido à falta de capacidade do sistema viário”.
Motivos para usar aplicativos
O Gráfico 46 (ao lado) destaca os motivos que levaram as pessoas a optarem pelo transporte por aplicativo e o principal é a maior rapidez da viagem (49%). “Ou seja, enquanto a gente não ofertar infraestrutura suficiente, com prioridade, para que as viagens realmente sejam mais rápidas, a gente vai continuar perdendo para o individual”, diz Richele. A flexibilidade de rota e horário (43,2%), considerada a segunda maior razão para essa migração, esbarra, segundo a diretora, na questão dos contratos de concessão, pois não é possível para o segmento trabalhar com rotas de serviço sob demanda. O conforto aparece em terceiro lugar e está ligado, provavelmente, à facilidade do porta a porta, de acordo com Richele. Facilidade de acesso, preço, segurança, facilidade de pagamento, entre outros, também foram justificativas apontadas pelos entrevistados.
“Temos um problema sério, que precisa ser enfrentado. Esbarramos, mais uma vez, na questão da infraestrutura e da necessidade de políticas públicas voltadas para a mobilidade urbana, com programas de financiamento de infraestrutura permanentes e a racionalização das redes. Já entendemos o que as pessoas anseiam. O que precisamos agora é de governança, que todos os atores envolvidos na mobilidade urbana, direta ou indiretamente – operadores, poder concedente, Poder Executivo, Poder Legislativo, entre outros –, estejam unidos pelo bem da sociedade, criando e aprovando ferramentas, como o Marco Legal, por exemplo, que nos permitam vislumbrar cidades mais humanas”, defende a diretora.
O que é necessário para que voltem a usar ônibus
No Gráfico 64 (ao lado), estão elencadas as opções apontadas pelos entrevistados como razões necessárias para que eles voltem a utilizar o ônibus como meio de deslocamento. Tarifas mais baixas são o primeiro motivo para esse retorno (21,2%) – acima disso, com 26,6%, estão aqueles que não retornariam ao ônibus por nenhuma razão.
“Então, mais uma vez, precisamos direcionar nosso trabalho para a questão do subsídio. É certo que, após a pandemia, os governos perceberam a necessidade de ampliar esse tipo de política, caso contrário a crise dos sistemas de transportes que se instalou em todo o Brasil resultaria em consequências ainda mais graves do que as que enfrentamos. Porém, é fundamental que isso seja ampliado e que se torne uma política nacional, através de programas de inclusão de pessoas de baixa renda, por exemplo. Somente assim será possível cobrar tarifas mais baixas sem prejuízo do serviço e com melhorias no conforto, que é o segundo item que traria de volta os passageiros para o ônibus”, ressalta Richele. Porém, destaca: “precisamos identificar se esse conforto relatado diz respeito apenas ao ônibus ou estende-se ao ponto, às calçadas, à infraestrutura como um todo”.
A rapidez é novamente um dos aspectos levados em consideração pelos entrevistados e já foi analisada nesta matéria. A pesquisa identifica que o tempo médio de viagem supera 35 minutos nas grandes cidades. Nas capitais brasileiras, o tempo para percorrer um trajeto de 10 quilômetros em um dia de semana normal chega a ser, em média, 90% maior, em momentos de congestionamento, ante períodos com trânsito menos intenso. Em Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife, o tempo dobra. “Um aspecto que precisamos levar em consideração é que conforto e rapidez estão diretamente ligados. Se você está dentro de um ônibus cheio pelo período de uma hora, a sensação é muito ruim. Mas, se esse tempo é de apenas 20 minutos, sua sensação de desconforto reduz”, destaca a diretora.
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